quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

antinomia

é linda a aurora
como!

a luz não se cabe em si
e explode

não há dia
que não eternamente
esplenda à noite
fugaz

hoje à noite tem

***

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Do testamento

Em escapulida, tentávamos o deserto. De través.
E, grávida de mim,
mãe.

Não,
meu nome não será Jesus,
Cristo não será meu sobrenome.

Eu nasci.

Quando cresci, todos faziam questão de revelar como se fosse
uma vetusta antologia de inéditos,
desdobravam.

O barbudo da frente subiu montanhas.
Ele trouxe lâminas enormes de pedra.
Ele disse que eram escritos sagrados.
Ele falava com Javé. O Próprio.

Um dia, fantástico, quando da fuga,
o barbudo meteu o cajado no chão,
absorto. O mar se abriu.

Eu nunca, para ser sincero, cheguei a compreender direito.

Mas, apenas para manter a tradição, eu amo.

***

terça-feira, 11 de novembro de 2014

conto

se se desse a quem disse
retorno
desprezo ou crendice

se quem disse medisse
tamanha parvoíce

tolices tolices tolices

penélope
a fio de espada

alice chapada
no leito de ulisses

***

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

uma palavra não

nada ainda não
nem mesmo que como
uma branca nuvem se 
nem mesmo que fôssemos
em ígnea partida

porque em nós o que há
há nós e nódoas
o fumo retido
no pulmão

não
nem mesmo que toda a cepa a fórceps
em dano ou

não

***

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

letes go

    p/ mario de andrade

a cólera do cão
do grande do grão cão
mastigando chicletes
lá nas ribas do letes
meditação por quê?
pois se está vendo vê
não é vida pra mim
é nem repouso o fim
não sou de gás ou gozo
que sou triste jocoso
nem um somenos nem
magia negra amém
então por que me gano
dum ganho por engano?
então por que esperança
se olvido por lembrança?

***

terça-feira, 28 de outubro de 2014

poética

o sentido pleno?
a mais grave agressão
um vupt de machado

sangue
tendões e músculos à mostra
em ruínas a certeza de que
contexto sem a
desvio

vupt de novo
e dá-lhe plenitude

***

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

marinha

vai ver e se vier
ou em ondas ou talvez
pode ser que não venha
uma gota
um grânulo

na maresia
um gosto de sal
que sua
saliva
lembra?

se vier
virá
virá pela noite
o vento que canta
o golfo que é longe
o farol o farol o farol
aqueles ROCHEDOS
prenúncios de fim

***

domingo, 12 de outubro de 2014

pontuando

eu sou estranho ponto
concordo contigo
contudo
um mas de ressalva dois pontos

ninguém se meteu em mais acidentes
o mico
o risco
o pulo para sempre
os companheiros de viagem amarelando

sabe
(aqui lágrimas)
eu caminhei por onde sabe
eu amei
eu bebi
eu sofri
eu vivi

eu ainda estou vivendo caralho ponto de exclamação

***

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

vela

permeio galerias de intimidades com o sorriso de um anjo decaído porque as ruínas 
sobrelevantam o caos e a dignidade. detesto luz solar, ademanes da senda, esoterismo, 
magia negra, tudo o que me transporte para o zelo de um altar. em nem ilha nem aquipélago, 
desatino nu, por dentro, na sabedoria que se adquire aos cabelos negros e perfumados
daquela menina com bicos de seios roseados, túmidos. eu vejo nos motivos pictóricos o que 
uma sala de oração, incensada, desespera.
espelhos de imersão. o mar que nunca me chega no limite bastante.
caminho sobre meus ossos enquanto minhas asas voam.
deserdado por mim.
onde me encontro? família.

***

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

amálgama

aquele que vai
o que chora. ai
o que se perdeu
aquele não eu
será que não sei
ele sou eu ei
eu vou irei fui
em lágrimas ui
e darei a mão
a mim meu irmão
iremos aqui
partiste parti
um tu por você
amálgama quê
amálgama sim
amálgama fim

*** Poema sob inspiração da música "How to disappear completely", da banda Radiohead.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

herdade

eis que nos tiraram do egito
exodamo-nos
exultemo-nos
liberdade

e vamos beber e comer
orgias irrestritas
vomitórios de inocência
sorridentes e desmotivados
em desapego
em desprendimento

que fomos educados no silêncio
donos de uma esperteza para além das nuvens
certos de que o todo-poderoso nos pertence

eis que nasceu
mais um poema
bêbado
farto

em favor de israel

***

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

espírito

noite
para a solidão da cozinha

não é
natureza morta
uma pequena mexerica
sobreposta à toalha de mesa
com motivo de flores

não há
composição
um pintor não há

o que há?

os meus olhos
os meus óculos

a (certa) distância
em primeiro plano
a pequena mexerica

ante o cenário
antes dos olhos
um manifesto

***

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

oração

ai altar de martírios

porque
o holocausto
o sangue definindo o terror e deflagrando
tonalidades adocicadas no
imo

os músculos se desapegam da força
e recrudescem à inocência

o cordeiro o matamos
seus olhos estatelados observam
o gelo de seus olhos
o cordeiro que se condoeu de nossas imperfeições

aqui a dor se esvai
aqui um lugar a fim de zumbis que se ruminem
nas omoplatas que autocalcificam a dúvida

a dúvida

entanto
somos ainda coesos na agreste ceguidão que dementa sementes de girassol
obstinada mania persecutória
pela luz

e somos felizes
assim
amém

***